segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Sobre um quadro de Dalí

Que fazes do tempo que não conduzes?
O que fazer do tempo que não te conduz?
O que fazer?

Que fazes
Das fases
Das faces
Das passagens
E paisagens
Da vida?

Tua vida é um relógio-plástico.
Um relógio-de-borracha-derretida de ponteiros tortos e imprecisos
De Dalí.

Culpa

O dedo em riste
Na minha cara
Me condenava
Pelos pecados
Que cometi

O dedo em riste
Na minha cara
Me apontava
Todas as falhas
Que tive aqui

O dedo em riste
Na minha cara
Que me culpava
Pelas ciladas
Em que caí

O dedo em riste
Já não existe
Pois tu partiste
E eu renasci.

Confissão

Minha vida não comporta tua ausência
Em descompasso, trôpego, caminho
Como um doido a blasfemar com eloquência
Descontrolado, bêbado, sozinho.

Minhas mãos, que não suportam o vazio
Nem a leveza, límpida, do vento,
Sem as tuas entre as minhas é baldio
Qualquer esforço, máximo, que tento.

Meu coração não pulsa sem teu sangue
E meus olhos se apagam com frequência
E me dissolvo, mínimo, exangue.
Minha vida não comporta tua ausência.

Plenitude

Um poema circular
Sem início, meio e fim

Um poema a circular
Infinito envolto em mim

Um poema-circo: lar
Da alegria e do festim.

Canção da complacência

Há um mártir bêbado na esquina
E mais um herói caído ao chão
Uma prostituta na sarjeta
E um homem-de-bem em cada vão
Há mais de um mendigo pela rua
E um bom pastor sempre a pregar
Tem uma donzela em cada alcova
E uma mãe-amada em cada lar
Um bandido solto na cidade
E um injustiçado na prisão
Uma nuvem branca lá no céu
(Poça refletida aqui no chão)

Lama, pura lama é esta vida
Onde nem o espelho é fiel:
Mostra-nos a imagem invertida
Destra por sinistra - vida ao léu.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

"Lunaris"


Em parceria com Silvia Schmidt


Noite de lua cheia, cheia, cheia...
Tomei-te a mão e fomos pelo bosque.
Depois, sentado à beira de um quiosque,
Beijei-te a boca e murmuraste, alheia:

"Teu beijo é um sonho (um sonho que me enleia).
Que em teu abraço eu durma e que me enrosque!
Que não me engane o sonho e não me embosque
Qualquer suspeita - qual veneno em veia!"

E adormeceste no meu colo. A lua
Varreu a noite em busca da alvorada,
E ao despertares me contaste, amada:

"Sonhei-me, amado, plenamente tua,
E por teus beijos, ora confortada,
Sou tua princesa, amor...a despertada!"

Quinze anos


Para minhas filhas Marina e Juliana


Nas cores curvas de um arco-íris
Teus olhos pousam, serenamente.
Do azul do céu, do azul, contente
Retiras sonhos. Ao te sentires

No doce enlevo dos quinze anos
Como uma deusa sem embaraço
Galgando nuvens, ganhando espaço,
A fronte erguida, peitos ufanos,

Procura, filha, fiar nos sonhos
Pois que são deles que é feita a vida,
E essa busca é o viver.

Aproveitar os anos risonhos
Da juventude, minha querida:
Sonhar... criar... sempre renascer.

Redenção

Naquelas tardes mornas, pachorrentas,
Em que eu vivia assobiando em tom menor,
Em que minha vida ia do menos ao pior,
Desesperanças me seguiam, lentas.

Manhãs me despertavam, seborrentas,
E me levavam a acreditar no Mal maior
E a recitar uma oração, quase de cor,
Pedindo a Deus a morte das tormentas.

Mas, eis-me, despertado à letargia:
Apareceste e me tomaste pela mão.
Sim. Conduziste-me ao amor e à alegria

E transmutaste minha vida então:
O que era noite transformou-se em pleno dia,
O que era dor e agonia, em paixão.

Nossa desgraça


Para Álvares de Azevedo


Deu meia noite. O poeta está imerso
Num mar de ideias, procurando estratagema
Que lhe permita construir o último verso
Finalizando, pondo um ponto no poema.

A noite avança e madrugada vai adentro
E nada surge, uma ideia, um sentimento
Que dê a ele algum socorro bem no centro
Da tormentosa busca - é muito sofrimento!

E ele para, pensa e busca nos antigos
Poetas e também nos novos, seus amigos
(Ao que parece fazem poemas de cor)

Até concluir: não ter poema é bem pior
Do que um pintor sem tinta em sua aquarela
Ou que um vate sem vintém para uma vela.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Despertar em Guernica

Guernica, Pablo, me despertou
Aos treze anos o horror da lida
Da guerra inútil. O clamor da vida,
Pasmada face me revelou:

No colo mater, o filho morto,
Antipresépio da estupidez
A luz estéril, o mar, sem porto,
De violência e insensatez

A boquiaberta cara do incréu
O rijo braço elevado ao céu
A bomba alada que estourou

Minha cabeça de adolescente
E os sonhos puros de um inocente.
Guernica, Pablo, me deflorou.

Arte

Que é do Tempo a Vida, a Arte?
Que é da Vida a Arte, o Artista?

O Tempo escorre
A Vida morre
O Artista passa.

O Tempo passa
A Vida escorre
O Artista morre.

A Arte fica.

À merda, Morte

Quando a assombrosa foice desabar
No cepo, separando corpo e alma,
Eu quero a Caronte evitar.
E quero, meu amor, manter a calma:

Não deixe no meu bolso um centavo,
Assim ele não vai me atravessar.
Eu vou ficar à margem, como escravo
Do tempo. Esperarei você chegar.

Enquanto aguardar sua chegada
Vou desviar o Estige por ali,
Não vamos no outro lado ter morada

A nossa casa vai ser sempre aqui.
À merda a iniludível, a indesejada
A tal La Belle Dame sans Merci.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Distância

O que você está fazendo aí

Longe de mim,

Longe_________________________de_______________________mim?

Por que você não está aqui agora

Perto de mim,

Juntoaomeucorpo?

Solaris


Em parceria com Sílvia Schmidt



O Sol com sua luminosidade
Envolve nossos corpos e dá forma
E cor e brilho. Com suavidade
Sua luz macia vem e nos transforma.

Esse astro-rei e a sua claridade
Toda magia sobre nós entorna:
Vão nossas marcas para a eternidade,
E o nosso enlace a Natureza adorna.

O seu calor, a sua energia
Nos transmutando quando raia o dia,
Nos elevando para o firmamento,

Faz que sejamos anjos namorados,
Plenos de amor, p'ra sempre interligados
Por duas asas e um só pensamento.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Amor

Outrora, se bem me lembro...
Você se lembra? -Rimbaud.
A vida, que era um rio
Tempestuoso, passou;
O leito, assoreado
No tempo, se acomodou.

E as margens, outrora curtas,
Outrora estreitas, ficaram
Agora largas, serenas,
Formando um lago. Medraram
Imensas flores.

E sua imagem
Refletida
Ficou.

Encanto


Para Manuel Bandeira



Eu faço versos como quem goza
De regozijo...contentamento...
Abre meu livro, a vida em rosa
Não dá motivo de desalento.

Meu verso corre-me pelas veias,
Deleite farto...tormento? -Não!
E se derrama por entre as teias
Sai, gota a gota, do coração.

Escorrem versos, pura alegria,
Assim dos lábios, rolando a face,
Deixando um doce sabor-poesia.

Eu faço versos como quem nasce.

Momento vermelho

Raiando o dia. A madrugada sangra.
De rubras raias o céu, lento, veste
Um horizonte. Visto desta angra
Há pouco um breu que não deixava leste

Tudo encobria. Até a alva areia
Se confundia ao mar na escuridão
Formando um muro alto, sem ameia,
Na negritude dominante então.

Mas eis que o Sol, aos poucos, se apruma:
Primeiro rubro, sem a luz dourada
Que irá fazer a areia e a branca espuma

Aparecerem como que do nada.
Mas, por enquanto, não há luz nenhuma.
Apenas raia, sangra a madrugada.

Quatro sentidos

Aqui neste quarto escuro,
Totalmente escuro,
Tu és todas as mulheres do mundo

E todas elas possuem
O cheiro da tua pele
O sabor da tua boca
A sonoridade dos teus gemidos
E a suntuosa forma do teu corpo nu.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Um blues, um reggae, um soul, um rock'n roll

Alguém me dê um cavalo selvagem
Porque eu quero é fugir daqui
Então me ensinem a montar no vento
Eu não suporto esse cheiro aí
Vou cavalgar qualquer coisa que voe
Pra longe dessa merda onde caí

Fumar bastante
Muito álcool
Muita dança
Um blues, um reggae, um soul, um rock’n roll

Dançar, dançar
Girar e flutuar
Até que eu possa descobrir quem sou.

Humano, demasiado humano

Alguém moldou a tua forma em barro puro
E com um sopro deu-te a vida e o festim
Do paraíso. Tanta luz brilhante assim
Te encantava, ignoravas o escuro.

E a tua vida num jardim calmo, sem muro,
Fluía bela como um jarro de jasmim
Nem te importavas com aquela cor carmim
Que emoldurava o fruto doce, mas impuro.

Até que um dia perguntaste: Por que não?
Por que não ter aquele fruto em minha mão
E deste modo superar meu criador?

Assim fizeste. E começaste a sentir dor.
(Mas esse gênio que te fez, essa mão-mater,
Também foi ele a modelar o teu caráter?)

Tempos modernos

A lua
Depois de conquistada
Perdeu a compostura
E já ninguém atura
Uma serenata
Ao luar.

A rosa

Nesta cabana, amor, ao pé da serra,
Em que te espero pra passar a noite,
Vamos terçar, inda que o frio açoite,
Batalhas mil, deliciosa guerra

Tu vais chegar trazida pelo vento
Fresco da tarde e eu te despirei
Bem devagar, já me sentindo o rei
Desse teu corpo. E todo o sentimento

Que flui de nós inunda nosso abrigo
Como perfume. Eu vou ficar contigo
Fazendo amor até surgir a luz.

E de manhã colher, ainda orvalhada,
A rosa mais bonita da florada
E colocá-la entre teus peitos nus.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Receita de viver

Eu gosto do aleatório, do fortuito, do acaso
De tudo o que faz da vida uma coisa assim, assim
Imprevisível, inconjeturável, um prato raso
De caldo até o fim

Sem saber onde vai transbordar o riso, a dor, o gozo
A angústia, a felicidade, o infortúnio; onde vai dar
Meu destino, essa nau sem rumo nesse mar vagoso
Constante a marulhar.

E assim é que se vive
O momento, feio ou lindo,
Em que o dado está rolando
E a roleta vai girando
E eu vou indo, indo, indo...

Tentativa

Eu queria
A Poesia
Que sintetizasse
Minha alegria
De ter você,
Seu beijo morno
Seu corpo em torno
Do meu, amor.

Mas não consigo
Por isso brigo
Com a Palavra,
O metro, a rima
E o que arrumo
Sem pé, sem prumo,
É só um verso
Quebrado, amor.

Rolling Stones

Você fica aí
Rolando essa pedra doida
Empurrando morro acima
Ganhando um palmo por dia

E perde da gravidade
Todo dia, todo o dia
Da gravidade das horas
Da gravidade robusta dos bigodes de Dalí

O que você pretende,
Tísico Sísifo?
Melhor dançar um rock.

Música & Vida

Uma canção de ninar
Para embalar o meu sono

Uma cantiga de roda
Para brincar nas manhãs

Um rock
Para alegrar minhas tardes

Bolero
Para aquecer minhas noites

Um réquiem
Para minha vida.

Soneto cínico

Amei demais, amiga, amei demais
Até quando não fui correspondido
Embora houvesse mesmo delinquido
Um pouco nos meus tempos de rapaz.

Mas, se traí, não fui um desleal
Mostrei a finitude das paixões
Cuidando não ferir os corações
De quem amei, gozei e coisa e tal.

Mais que prazer que eu tive, eu dei prazer
(E tive muito gozo nesta vida...)
E nunca duvidei: ser ou não ser

(A grande dúvida com que se lida)
Eu sempre fui - se não, fiz parecer -
E se não fui, eu sou, não é, querida?

Terra, Terra

Terra, Terra eu te amo
Teus prazeres...teus pesares...
Eu te adoro. E te proclamo
A rainha dos lugares

Eu te quero como abrigo
Do meu corpo, da minha alma
Para sempre. Estar contigo
É meu louro, minha palma.

Não quero saber de inferno,
Céu ou limbo ou purgatório
Quero a ti, planeta eterno
Pois tu és meu ostensório

O meu corpo sob a relva
Meu espírito nos vales
Nas montanhas, nesta selva
Misturando bens e males.

Terra, Terra amada minha
Não me deixes te deixar.
Eu não quero! Tu sozinha
É que és o meu lugar.

Para isso fomos feitos?

Para isso fomos feitos
Enterrar os nossos mortos?
Deixar saudades nos portos,
Ocupar todos os leitos?

Ser a teia, a aranha, a mosca
Desse enredo, dessa história,
Ser herói e ser escória
Da vida brilhante ou fosca?

Ser o alvo, ser a seta,
E também a trajetória,
Esquecimento, memória

Ser, a um tempo, plano e meta?
Lutar de todos os jeitos,
Para isso fomos feitos?

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

As tuas mãos

Tuas mãos
Que corriam ágeis a me desabotoar
E me percorriam o peito, o corpo todo
Despertando meus sentidos para o amor

Tuas mãos
Que em forma de cunhas me cravavam unhas
No dorso nu, laceravam pele, carne, vida
A exponenciar o gozo do amor

Tuas mãos
Que depois seguiam céleres para o piano
Jorrando músicas, notas serenas
A celebrar o jogo do amor.

As tuas mãos
Que percorrem frágeis a minha face
Buscando sulcos, acariciando rugas
E depois me alisam os cabelos brancos

As tuas mãos
Que em forma de conchas me aparam
Sopa a pingar da boca e, trêmulas, me servem chá
(E depois de mais um carinho voltam para as agulhas de tricô)

Ah, meu amor,
Há uma eternidade, há uma vida
Eu amo apaixonadamente
As tuas mãos.

Desejo

Eu te desejo como a um prato de comida,
Como um asmático deseja o próprio ar,
Ou como um náufrago perdido em alto-mar
Procura a bóia, a salvação da sua vida.

Eu te desejo assim como um vulcão latente
Pronto a eclodir a sua lava ardente em jorro,
Como um ladrão ferido, a implorar socorro,
Como um bebê novinho almeja o peito quente

Como o troar surdo das águas da represa
E a calmaria que antecede as tempestades
Eu te desejo como um tigre a sua presa

Ou como os reis desejam suas majestades.
O meu desejo, amor, a ti causa surpresa?
Desejo. Espero. E já não morro de saudades.

Suave é a tarde

Nesga de nuvem
Bem leve, leve
Formato breve
Paira no ar

Por trás o sol
Poente, belo
Sem um anelo
Morre no mar

Suave é a tarde
Cheirosa a brisa
Macia, a relva
Me faz sonhar.

Olhar

Vaza uma luz nos olhos teus
Que atravessa pântanos e vales
Passa uma mensagem, sem que fales
Nada que chegue aos ouvidos meus.

Mas meu coração entende tudo
O que meu olhar visa em teus olhos
Sem dificuldades, sem abrolhos,
Posso captar, mesmo que mudo,

Este teu sinal, de luz somente,
Que ilumina minha escuridão
E me faz ficar feliz, contente
Como um passarinho solto à mão.

Tempo

Um vago rumor
Trespassa a folhagem
É o vento
É o vento
Querendo criar imagem.

Um movimento brusco
Acontece de repente
É o vento
É o vento
Querendo fazer-se gente

Uma lufada nas nuvens
Descobre, expõe a lua
É o vento
É o vento
Querendo deixar-me nua

Um sopro quente, abafado
Percorre toda a avenida
É o vento
É o vento
Querendo levar-me a vida

Meu pai

Na minha paisagem há um rio
Que corre manso entre margens verdes
E barrancadas

Inclinado no barranco um ingazeiro
Molha sua sombra na água fria

Mais adiante
Uma velha ponte de madeira
E sob ela
Um homem isca o anzol do seu menino

"Oh que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida..."

Dois pontos


Dois pontos,
Um sobre o outro,
Lá vem palavra:

-Eu te amo
-Eu te odeio

Não importa.
O que anseio
É... palavra.